domingo, 5 de outubro de 2014

Aspectos Históricos da Alimentação: Comida x Sociedade

A alimentação é uma das mais básicas necessidades humanas, indo muito além de uma necessidade biológica, pois envolve um complexo sistema simbólico de significados sociais, políticos, religiosos, éticos e estéticos.
A fome biológica difere do apetite, mas se materializa em hábitos, ritos e costumes, marcados por uma intrínseca relação com o poder. O que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come, como se come e com quem se come.
As variações dos hábitos alimentares e dos contextos que cercam tais hábitos é um tema que envolve diversos fatores. O estudo da alimentação foi estabelecido nos últimos dois séculos a partir de quatro enfoques: o biológico, o econômico, o social e o cultural. Abrangendo, dessa forma, os aspectos fisiológico-nutricionais, a história econômica, os conflitos na divisão social e a história cultural da alimentação.
Quanto ao enfoque biológico e social, podemos citar os problemas quanto ao ambiente sociocultural e as avaliações individuais e coletivas (comida como divisão social e como ação simbólica, religiosa e comunicativa) e os conteúdos nutritivos e as consequências para a saúde.
A alimentação pode ser ainda abordada a partir do estudo dos hábitos alimentares, e de como certos padrões de consumo se estabelecem e se alteram.
A medicina vem desde a Antiguidade buscando desvendar os mistérios do metabolismo humano e, particularmente, o fenômeno da digestão. A história da alimentação tem como fonte de informações a própria história da medicina. As teorias nutricionais, a ideia da digestão e as prescrições dietéticas nos revelam informações sobre os hábitos e concepções de uma época. Grande parte das literaturas grega e latina clássicas que se referem à alimentação era relacionada a Tratados Médicos.
As ciências modernas sobre a nutrição desenvolveram-se a partir do séc XIX, reunindo avanços das ciências naturais e os da medicina, mantendo um enfoque exclusivamente biológico. A investigação nutricional examinou o processo da digestão no organismo humano, obtendo informações para a modificação das dietas de acordo com a idade, gênero e ocupação. Importante destacar também a busca de um tratamento dietético adequado das doenças relacionadas ao processo digestivo.
Muitos estudiosos da nutrição têm focado seu campo exclusivamente como um ramo da bioquímica, como um processo orgânico e metabólico. Mas isto não esgota, contudo, a dimensão humana da alimentação, que envolve ainda as questões econômicas, sociais e culturais.
A comida além de primeira necessidade do ser humano é também um prazer. Fazendo parte das necessidades básicas, mas também expressando os desejos humanos.
Os antigos hipocráticos acreditavam que o calor seria o responsável pela assimilação orgânica dos alimentos, mas apenas no período moderno, a partir do séc XVIII evidenciou-se a natureza química da digestão, pelo famoso cientista Lázaro Spallanzani (1729-1799), que demonstrou a acidez do suco gástrico.
Somente no séc XX foi estabelecida mais claramente a natureza bioquímica da fisiologia da nutrição. A composição dos alimentos assemelha-se à do corpo, portanto necessitamos de água, sal, carboidratos, proteínas, lipídios, fibras, sais minerais e vitaminas, para fornecer as fontes de energia e os catalisadores bioquímicos necessários ao nosso organismo.
As descobertas na medicina sobre a relação entre saúde e alimentação levaram à identificação de uma série de enfermidades causadas pelas carências de nutrientes específicos, como a anemia por deficiência de ferro, ou por excessos alimentares, como a hipercolesterolemia pelo excesso na ingestão de gorduras. No séc XX, o descobrimento das vitaminas fundamentou cientificamente a causa de algumas destas deficiências alimentares, ampliando a compreensão sobre a fisiologia da nutrição.
Nos últimos anos, os estudos nutricionais também identificaram a ocorrência de determinadas agravos com relação a dietas particulares. Como a menor incidência de problemas cardiovasculares entre os franceses e os japoneses, apesar de uma dieta rica em colesteróis. Fato explicado pelo hematólogo francês Serge Renaud pelo consumo moderado de vinho tinto por estas populações, o que atuaria como fator de prevenção das enfermidades cardiovasculares.
Deste modo, torna-se clara a interação entre comida e sociedades. Os padrões de consumo não são apenas distintos, mas também são repletos de significados sociais e simbólicos, chegando mesmo a refletir valores, conflitos e dilemas dos grupos humanos ao longo da história.

Referências Bibliográficas

CARNEIRO, Henrique S. Comida e Sociedade: Significados Sociais na História da Alimentação. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 42, p. 71-80, 2005. Editora UFPR.

REZENDE, Marcela Torres. A alimentação como objeto histórico complexo: relações entre comidas e sociedades. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 33, janeiro-junho de 2004, p. 175·179. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/viewFile/2206/1345 Acesso em: 02/10/2014.

7 comentários:

  1. Achei bastante interessante o fato de que a alimentação está relacionada de forma intrínseca à própria história da humanidade e como a visão sobre ela muda com a própria evolução da sociedade (como quando o calor era considerado o principal fator de assimilação orgânica, e não a natureza química da digestão). Estou ansiosa para saber também como a alimentação se relaciona com as classes sociais, e se isso gera pontos positivos ou negativos para a população. Aguardo novas postagens!

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  2. Muito interessante essa postagem. Algo que me chamou a atenção foi o fato do conhecimento sobre a assimilação da comida mudar com o tempo, evoluiu desde noções onde o calor fazia isso até a compreensão da natureza química da digestão hoje, afinal de contas o conhecimento não é imutável. Outro aspecto relevante é a relação profunda que se estabeleceu entre alimentação e saúde ao longo da historia da humanidade. Se não cuidar da primeira, a segunda também se degenera. Aguardo próximas postagens para aprender mais.

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  3. É inerente que os hábitos alimentares da sociedade estão relacionados com o quadro da saúde das pessoas. Á medida que a medicina vai evoluindo, tal fato foi sendo comprovado, nos diversos estudos científicos além de que outras teses foram refutadas gradualmente. O estudo da alimentação humana está ligada diretamente com a cultura alimentar de cada região, como o post mostra muito bem, em que, por exemplo, japonese e franceses, apesar de terem uma dieta rica em colesteróis, apresentam pouca incidência de doenças cardiovasculares, fato que estaria ligado ao maior consumo de vinho por pessoas dessas nacionalidades. Assim, o post é bem interessante ao abordar o contexto da evolução da alimentação humana e sua relação na sociedade. Aguardo novas postagens.

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  4. É interessante como a alimentação representa mais na sociedade do que somente uma ação necessária à sobrevivência. Como ela pode, por exemplo, ser uma representação do poder que um indivíduo possui em uma sociedade e da posição social que ele ocupa. Ou como ela pode representar os costumes de uma época e de uma sociedade específica. É muito interessante também, como essas variações nutricionais se expressam nos organismos de seus consumidores, podendo aumentar a qualidade de vida ou causar patologias. Espero aprender sobre a relação entre alimentação e classes sociais nas próximas postagens.

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  5. Vale ressaltar que a alimentação, como foi dito, representa poder. Portanto, talvez a alimentação represente uma diferenciação social. Além disso, o habito de comer envolve não só o alimento, mas também, as pessoas, como se come e quando se come. Um alimento identifica uma época, uma cultura, uma religião, e a classe social. Diante disso, o autor conclui que o alimento não é um conjunto de substâncias bioquímicas, que devem ser analisadas pelos seus benefícios e desvantagens individuais, mas que devem ser vistos em sua plenitude, como são consumidos, e por quem são consumidos para ter uma visão global da desse fenômeno social. Muito interessante a postagem, espero aprender mais com as próximas.

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  6. Realmente a alimentação transcende a questão dos nutrientes e tanto permeia como determina uma cultura. É importante perceber como padrões de alimentações podem ser analisadas em uma sociedade, em segmentos dessa sociedade, e mais ainda, existem muitas particularidades de cada indivíduo.
    A alimentação tem poder de modificar sensações e sentimentos e, dessa maneira, o alimento é muito presente como um elemento religioso. O texto também traz a ideia de que um estilo de alimentação pode ser a chave para a prevenção de doenças, ao fazer uma correlação entre dietas particulares de algumas culturas e a diminuta ocorrência de algum tipo de doença.
    Concordo com essa ideia, e achei uma ótima postagem. Aguardo as próximas!

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  7. Post muito bom, em que se mostrou a relação do alimento com os costumes sociais.
    Mostrou também que a alimentação é fundamental para uma vida saudável, pois certos alimentos são benéficos outros acarretam muitos problemas. Em relação alimentação saudável destacou-se a utilização de alimentos protetores como o consumo de vinho pelos franceses e japoneses, mesmo ocorrendo uma dieta lipídica entre esses povos.

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